08/01/2010

«AMOTE»

"Não percebo porque é que «amo-te» se escreve desta forma: amo-te! Quando deveria ser desta: amote. Amo-te não deveria ter hífen ou tracinho, como se costuma dizer. O amote de que falo, este, não deveria ter espaço, para que nenhuma letra respirasse, para que ficassem ali as letras apertadinhas de forma a não caber mais nenhuma. Porque a verdade é que, quando se ama alguem, não cabe mais ninguém ali. Porque não há espaço. Porque as letras estão literalmente sufocadas por essa palavra que se deveria escrever apenas e só assim: amote."
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Fernando Alvim - 50 Anos de Carreira

Let's talk about romance...



16/12/2009

"o Velho que lia romances de amor"

(...)

- "Olha, com toda esta confusão já quase me esquecia. Trouxe-t dois livros.
Os olhos do Velho iluminaram-se.
- De amor?
O dentista assentiu.
António José Bolívar Proaño lia romances de amor, e em cada uma das suas viagens o dentista abastecia-o de leitura.
- São tristes? - perguntava o Velho.
- De chorar rios de lágrimas - garantiu o dentista.
- Com pessoas que se amam mesmo?
- Como ninguém nunca amou.
- Sofrem muito?
- Eu quase não consegui suportar - respondia o dentista. Mas o doutos Rubicundo Loachamín não lia romances.
Quando o Velho lhe pediu o favor de lhe trazer leitura, indicando muito claramente as suas preferências - sofrimentos, amores infelizes e desfechos felizes -, o dentista sentiu que estava perante um encargo difícil de cumprir.
O Velho recebeu os livros, examinou as capas e declarou que gostava.

(...)

António José Bolivar sabia ler, mas não escrever.
Lia lentamente, juntando as sílabas, murmurando-as, a meia voz como se as saboreasse, e, quando tinha uma palavra inteira dominada, repetia-a de uma só vez. Depois fazia o mesmo com a frase completa, e dessa maneira se apropriava dos sentimentos e ideias plasmados nas páginas.
Quando havia uma passagem que lhe agradava especialmente, repetia-a muitas vezes, todas as que achasse necessárias para descobrir como a linguagem humana também podia ser bela."


Luís Sepúlveda - o Velho que lia romances de amor

03/12/2009

"Por muitos anos e bons..."

A minha vontade de chegar era sempre extasiante. Sentia-me tão ansioso que, de 30 em 30 minutos, perguntava aos meus Pais e ao meu Irmão: "ainda falta muito? quanto tempo mais?". Chegar às minhas raízes, e à de meus Pais, significava o começo de mais um Verão, de mais umas 'Férias Grandes' como todos lhes chamávamos. O reencontro com os primos, tios, avós e amigos de sempre, eram por mim esperados ao longo de todo um ano lectivo.
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Quando chegávamos, o calor baforento que se fazia sentir mal saía do carro, significava que finalmente estava 'em casa'. Nada tinha mudado: depois da habitual visita a cada um dos lares de familiares, podia começar as minhas voltinhas à procura dos 'meus amigos'. Se não estavam em casa, estavam na piscina da aldeia ou no rio. E lá ia eu, primeiro à piscina, depois ao rio, até o sol desaparecer por trás dos enormes salgueiros que nos ofereciam a sua sombra nas horas mais quentes.
A noite era de festa. Como qualquer aldeia beirã que se preze, não podiam faltar as sempre inesquecíveis festas em homenagem ao santo padroeiro da mesma: São Sebastião e Nossa Senhora da Saúde. Entre as febras e o frango assado, as correrias e as brincadeiras, e a música tradicional portuguesa, aconteciam os primeiros namoricos e piscares de olhos às meninas.
O dia seguinte nunca era muito diferente. Ao acordar podia contar com o canto madrugador das galinhas, um copo de leite bem gelado, uma torrada, e um mimo dos meus avós. De seguida, saía a correr para mais um dia para o qual iria necessitar de todas as minhas forças para brincar mais do que ninguem.
Certo era que à hora de jantar todos estariamos juntos de novo: 'onde jantamos hoje? em casa dos padrinhos ou dos avós?' O sítio não importava, o importante era estarmos todos, e estávamos!
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Ao certo não sei a primeira recordação que tenho de Ti. Não faço ideia de quando Te vi pela primeira vez, mas daria muitas outras boas recordações que tenho em troca por essa. Ainda assim, tenho ideia que foi nestes momentos mais familiares que Te comecei a olhar de forma diferente que a todos os outros que não via ao longo de quase um ano. Talvez pela ternura que demonstravas quando olhavas para mim, pelo teu sorriso doce e carinhoso, ou simplesmente pela forma como chegavas perto e Te pegavas comigo. Como Te digo, não sei... mas também não é o mais importante.
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E o que é o importante? O importante seria Tu saberes tudo isto um dia em que não To possa dizer, e que mesmo que um dia que não To possa dizer, tentarei demonstrá-lo de uma outra forma. Agora sou eu que olho para Ti com a ternura, com o carinho, com a delicadeza e com o amor que me olhavas em pequeno e em que eu Te respondia com a desconfiança própria de quem não percebia o que me eras. O importante é que, ainda que não Te lembres, eu me recorde de como dizias que estava mais forte e maior a cada ano que passava: "ainda te tombo", dizias Tu enquanto faziamos o 'braço de ferro', e eu ria-me. Dava ainda mais memórias para To ouvir dizer hoje...
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O importante é que, mesmo que passado um minuto o perguntes de novo, Te hei-de repetir por infinitas vezes o meu nome, de onde sou, de onde venho e o que Te sou, as vezes que forem precisas, ao qual vais sempre responder: "que o sejas por muitos anos e bons..." e esquecê-lo de seguida. Mais importante de tudo Avô é que, ainda que a tua memória não Te permita recordar-me, eu continue a ver nos teus olhos o mesmo olhar que sempre vi... e isso é memória que não trocaria por nenhuma outra.

17/11/2009

Alguem escreveu:

...."Ninguém gosta de uma pessoa apenas pelas qualidades que esta tem, caso contrário todos os honestos, simpáticos, bonitos e não fumadores teriam uma fila de pretendente à porta.
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....Com o amor não se podem fazer contas, este não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar...
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....Ninguem ama outra pessoa só porque ela se veste bem e é fã dos Xutos & Pontapés... isso são apenas referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo desassossego que provoca... Ama-se pelo tom de voz, pela maneira como os olhos piscam, pela fragilidade que revelamos quando menos esperamos...
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....Era demasiado fácil se o amor fosse uma fórmula: 'eu linda' + 'tu inteligente' = 'dois apaixonados' Não funciona assim, ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinivel.
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....Bonitos e elegantes existem aos milhares, generosos há por aí às pencas, bons motoristas e bons pais de família então nem se fala... mas ninguem consegue ser da maneira que o amor da tua vida é...*"

Uma surpresa...


Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente... longamente.
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Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misterioras
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
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Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói
desembarcar nas ilhas misteriosas.
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Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas...
...
Manuel Alegre
'Contar-te Longamente'

'O sal no corpo'

....A mãe e a mulher não gostam do sal no corpo. A amante sim.
....Toca à mãe e, anos mais tarde, à mulher, lavar as fronhas dos travesseiros e os lençóis da cama manchados da água salgada que nos escorreu do nariz durante a noite. Toca à mãe olhar para a camisola que foi a nossa prenda de Natal e, anos mais tarde, toca à mulher pegar no pijama Armani que nos ofereceu no aniversário de casamento, toca a elas descobrir que as cores de desbotaram onde o sal atacou, que o dinheiro gasto foi dinheiro mal gasto. A mãe e, anos mais tarde a mulher, não gostam do sal no nosso corpo porque lhes recorda o amor que temos pelo mar. O sal que encontram no nosso corpo é uma violência à privacidade delas, porque nem dentro da própria casa conseguem esquecer o mundo que nós temos lá fora. O sal no corpo é a equivalência física, táctil, sensorial da obsessão no espírito, da paixão infinita que nos percorre a existência.
....A amante, essa, acha engraçada a sugestão de espaços abertos e horizontes luminosos na pele áspera e salgada. Sente-se transportada a um universo de vento e sol, e a ela não lhe importa se ele sabe ou não sabe a mar. Há qualquer coisa de inédito nesta pele que podia ser de um marinheiro irlandês, de um pescador da Sicília, de um pirata sarraceno. As suas fantasias levantam voo com aquela pele. Quando a ponta da língua dela circula pelo gume da orelha dele, quando os lábios se poisam na nuca, quando as pontas dos dedos dele entram pela boca dela, então a saliva dela desce a garganta reforçada com um tempero vital e livre - a saliva que lhe desce pela garganta traz sal.
....É assim desde que o mundo existe: a mãe e, anos mais tarde, a mulher recolhem as roupas por lavar, toleram os atrasos à hora das refeições, suspiram com o mau feitio dele nos dias de neura, suportam o suor no corpo; a amante recolhe o melhor, recolhe o sal à flor da pele.
....Eu gosto de adiar o duche para o dia seguinte, gosto de deixar o sal no corpo algumas horas, dum dia para o outro, o tempo que é preciso para corroer as impurezas enfiadas nos poros.
(...)
....Se quiserem conquistar a rapariga dos vossos sonhos, não lhe ofereçam flores nem lhe mandem cartas - convidem-na para um jantar em vossa casa. Algumas boas receitas que servem apenas de aperitivo. A sedução infalível virá depois, quando ela poisar os lábios na vossa pele. Tenham é o cuidado de convidá-la num dia em que forem ao mar. E façam como eu: não tomem banho depois do surf.

Gonçalo Cadilhe
No Princípio Estava o Mar

03/11/2009

se um dia voltasse atrás...


Por inúmeras vezes me pus a pensar no que mudaria se um dia voltasse atrás no Tempo e nunca cheguei a qualquer conclusão. Estou certo de que não sou o único a quem isto acontece, muito pelo contrário. No entanto não tenho, nem nunca tive, qualquer arrependimento de nada do que pertence ao meu passado.

Como toda a gente, já tive dias que desejei que nunca terminassem, e dias que, de tão maus que foram, não desejaria a ninguem; guardo na minha alma momentos inesquecíveis e outros que, se pudesse, forçaria ao esquecimento. É por estas últimas recordações que não por poucas vezes pensamos: 'se eu pudesse voltar atrás...' seguindo-se um enorme suspiro e um silêncio que em nada apazigua a dor que cada um desses fragmentos de memória nos causou... (enfim)

Não faz parte do que sou lamentar-me do que não me correu da melhor forma até hoje. Sei (quase) todos os erros que cometi ao longo da minha curta experiência de vida: uns, sem dúvida que poderiam ter sido contornados se tivesse dado ouvidos aos meus pais e se a pressa que tive em crescer tivesse sido mais contida; os outros... os outros fazem-me pensar até que ponto é um erro dar tudo o que temos e não pedir nada em troca. Sim, é um erro... mas não faria nada de forma diferente, não voltaria atrás, não mudaria a mínima coisa. Todos os meus erros têm algo em comum: a pessoa que sou hoje.

É facílimo lamentarmo-nos e desculparmo-nos pelos 'erros' que cometemos, muito mais difícil é desculpar quem os cometeu connosco. A esses, eu desculpo e agradeço, mas 'se um dia voltasse atrás', fazia FastForward...

13/10/2009

'Endless Summer' - 1966


'Endless Summer' é um filme/documentário realizado por Bruce Brown em 1966. É tido como um dos primeiros e mais influentes documentários que viria a dar origem a uma nova categoria cinematográfica: o 'Surf'.
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Numa altura em que a febre do Surf se começava a expandir na América do Norte, Bruce Brown segue dois dos mais conhecidos surfistas daquela altura (Mike Hynson e Robert August) pelos quatro cantos do Mundo. Fugindo ao Inverno californiano, o realizador faz de África, Austrália, Nova Zelândia, Tahiti e Hawai, o pano de fundo das suas rodagens. A participação de nomes míticos da modalidade, como Miki Dora e Phil Edwards, oferecem um brilho ímpar ao Verão interminável e à busca pela 'onda perfeita'. A banda sonora foi totalmente entregue a The Sandals, um dos primeiros grupos de surf-rock, a par de Beach Boys.
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O conceito para a elaboração de 'Endless Summer' é algo que a todos nós, seguramente, já nos passou pela cabeça: se tivessemos dinheiro e tempo suficiente, poderíamos seguir o Verão à 'volta do Mundo'. Numa altura em que a meio de Outubro estão cerca de 30ºC na capital, a ideia não nos parece assim tão distante, tal como os meses de Julho e Agosto não parecem ter já terminado por completo.
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A realidade é outra e apesar do Verão parecer querer arrastar-se cada vez mais a cada ano que passa, 'há que fazer pela vida' e procurar ganhar uns €'s enquanto o próximo mês de Julho ou Agosto não chega. É nesta altura que muitos dizem que isto não é a maneira certa de pensar, que não devemos viver apenas para o Verão e eu concordo, incondicionalmente, com cada um que o afirma. Na verdade, limitarmos a nossa vida a dois meses de Sol e calor por cada ano que passa, é 'deitar tempo para o lixo', além de que demonstra uma total falta de ambição e responsabilidade pela 'ordem natural das coisas': estudar, tirar um curso, trabalhar, casar, comprar casa, ter filhos, etc, etc, etc...'.
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No entanto, Eu, declaro aqui que, segundo a 'ordem' acima referida, sou uma pobre alma no que à ambição e responsabilidade diz respeito. Isto pode ser visto de diversas formas: uns dirão, 'ele é um miúdo que sempre teve tudo o que quis'; outros, 'é um puto mimado a quem tudo cai do céu'; enfim... de certa forma tudo isso é correcto. Nunca me faltou nada, nem nunca tive que mexer uma palha para poder ser feliz. Ainda assim, sempre que o 'dever' me chamou, trabalhei com empenho (e como fiquei orgulhoso por isso!).
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Não sei se já pensaram ou não, mas aposto com qualquer um de vocês, salvo raras excepções, que 75% a 80% dos momentos mais marcantes e felizes das vossas vidas aconteceram no Verão. A vêr: viagens, paixões, festivais, noitinhas, dias de praia e surf, jantaradas à antiga, fogueiras, amor, campismo, etc... Por tudo isto, sou tão apologista de que o Verão cura todos os 'males', quanto sou um eterno apaixonado pela velha máxima 'Amor e uma Cabana', ainda que à minha maneira... e no fim, são essas memórias que me vão acompanhar ao longo de mais um Inverno...