18/05/2009

Pepe e Lupe

... ao subir aquela última planície, avistei, finalmente, gente. Deste vez não era uma miragem, era de facto alguem que alí estava.
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Debaixo de um sol tórrido que me fazia ajoelhar como se me obrigasse a prestar clemência, agarrava com as mãos o solo daquela planície desolada. O pó entranhava-se nas feridas e bolhas que o calor e a falta de água me fizeram. Eu era o último, era eu o sobrevivente, e apesar de naquele momento estar de joelhos e sem forças, não me deixaria entregar às aves de rapina que me rodeavam por sentirem o meu cheiro a morte.
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Ao longe, aquele homem tratava das suas vacas, e eu fitava-o enquanto me arrastava e rastejava na sua direcção pelo pó amarelo e desértico. Era a minha última esperança, mas a força diminuía a cada segundo que passava. Sentia-a a abandonar-me enquanto a vida me escapava por entre os dedos... deitei-me, desisti.
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Acordei numa cama. Ao certo não sei quanto tempo passou e a última lembrança que tinha era do sabor da terra morna nos meus dentes. O que se passou? Levantei-me, andei em direcção à janela e vi novamente o vaqueiro. O dia parecia exactamente o mesmo e o homem encontrava-se na mesma posição em que o vira pela última vez...
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O seu cheiro a suor e a humidade espalhavam-se pelo ar. Ao longe sentia-se o peso da sua camisa envolto em tranpiração. De mãos secas e ásperas pelo trabalho árduo, o seu hálito saía mais quente que o próprio calor. Seus pés descalços e marcados pelo solo fervido não pareciam ficar abalados com os 43º que se faziam sentir ao meio-dia. Este era Pepe, um vaqueiro mexicano com cerca de 35 anos que me dizia não conhecer mais do que a pequena aldeia a 2 km de sua casa e as suas vacas...
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Uma voz de fundo fez-se ouvir. Uma voz feminina, que falava um espanhol melódico ainda que quase impossível de tirar qualquer ideia. Pepe disse-me que era Lupe, sua mulher.
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Lupe não tinha mais que 30 anos. Olhos cor de mel, da cor da sua pele. Os cabelos eram muito longos e pretos. A sua face queimada do sol escondia a infelicidade da vida só e trabalhosa que sempre tivera. No entanto, as suas mãos eram suaves, suaves como as formas que o seu corpo tinha e que lhe faziam lembrar, de forma nostálgica, a mulher bela que fôra. Os seus pés transpareciam a dureza dos caminhos que percorrêra na vida. As suas unhas pintadas eram a forma de expressar o desejo, cuidado e preocupação com a beleza. Por duas vezes a vi de baton, um baton de cor rosado e que chamava a atenção para os lábios secos que pediam para serem beijados. A sua maneira de falar, que nunca entendi, ficou-me até hoje guardado na memória. Era como se quando falava, falasse só para mim, só para o meu coração...
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Fiquei cerca de um mês em casa deles. Pouco falámos e pouco mais soube além do que via, cheirava e sentia. Um dia, Pepe agarrou-me no braço e levou-me à aldeia mais próxima. Nunca me perguntaram o que me acontecera, e eu, também nunca o quis dizer...

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