14/04/2009

Para muito boa gente...

Sinceramente. Desculpem lá!
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Não tenho idade nem feitio para dar conselhos às gerações mais novas. Mas, se me pedissem que apontasse uma opção de vida que não recomendo a ninguém, sei o que dizia. Dizia: Evitem a todo o custo a sinceridade.
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Digo isto com intenso conhecimento de causa. Não há nada que me tenha trazido tantos dissabores como ser sincero. E não conheço nenhuma pessoa que deva grandes alegrias à sua sinceridade. A sinceridade é, sem excepção quase nenhuma, um elemento negativo na nossa relação com os outros. Uma coisa destrutiva, desgastante, violenta, desnecessária, desagradável e estúpida. Não me interpretem mal: eu sou sincero, cultivo a sinceridade, não pretendo desistir dela nem com um pelotão de fuzilamento. Mas estou consciente de que a sinceridade me estragou a vida.
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Tenho uma repugnância quase bíblica pela mentira dolosa. Mas a sinceridade é outro assunto: não se trata apenas de não mentir, mas de evitar actos afins: a omissão, a duplicidade, a reserva mental. Ser sincero é manifestar por actos e palavras aquilo que efectivamente pensamos e sentimos. E eu estava convencido da absoluta necessidade moral desse comportamento.Não sendo (totalmente) lunático, sabia que a sinceridade não se aplicava a estranhos ou a simples conhecidos. Mas aos mais próximos, decidi, eu não esconderia nada. Desde então, nunca escondi o que penso e sinto às pessoas de quem sou íntimo ou chegado. Nunca fugi ao assunto, nunca inventei álibis, nunca engendrei enganos edificantes. Cumpri escrupulosamente essa minha opção de apóstolo juvenil.
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O resultado, como imaginam, foi catastrófico. As pessoas entendem tudo mal, aumentam tudo, mistificam, ficam magoadas e zangadas, detectam invejas e conspirações, insultam e espalham boatos, cortam relações, mudam de passeio. A minha monomania fez com que eu tenha menos amigos do que um xadrezista ucraniano esquizofrénico que viva exilado nos bosques. A amizade segundo tenho ouvido, consiste em dizer que os nossos amigos têm sempre razão, estão sempre certos, que gostámos de tudo o que eles disseram ou de como se comportaram. E no amor, nem digam nada, no amor a sinceridade é tida por toda a gente de sucesso como uma infantilidade ou um cancro. O que importa é a publicidade, a ocultação, a propaganda. A sinceridade, acima de um certo grau (escasso), significa mostrarmos totalmente quem somos, as nossas fragilidades e defeitos, a nossa nudez quase metafísica. E isso, segundo autoridades de reconhecida experiência, não é coisa admissível. Eu aliás não desminto o realismo desses sábios. Reconheço que a sinceridade não traz felicidade a ninguém. Perdes os teus melhores amigos se fores sincero. Perdes a pessoa que amas se fores sincero.
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Por isso digo que não tenho idade nem feitio para dar conselhos às gerações mais novas, mas que se tivesse sei o que dizia.
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Dizia: Evitem a sinceridade. A sinceridade faz mal à saúde. A sinceridade mata. Eu é que já não mudo. Porque não posso e porque não quero.
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Desculpem lá.
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Pedro Mexia - "Nada de melancolia"

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